História da Igreja

Dante Alighieri (1265-1321)

“Florentinus et exsul immeritus” (Florentino e exilado sem o merecer) — diz Dante numa de suas cartas. Nascido efetivamente em Florença, onde viveu uma boa parte de sua vida, três vezes foi desterrado por questões políticas, morrendo em Ravena, acompanhado já por grande fama de poeta e sábio: “Inclita fama cuius universum penetrat orbem” (Cuja elevada fama chega ao mundo inteiro), como se lê no seu epitáfio.

Poeta, filósofo, teólogo e político, Dante é in­cluído diretamente na lista dos pensadores e es­critores cristãos. Sua própria condição de leigo, comprometido com sua cidade, com a arte e a ci­ência de seu tempo, torna ainda mais interessante sua figura. Pertencente a uma nobre família guelfa florentina, quis viver em plenitude sua condição de homem e cidadão livre. Por volta dos 9 anos, encontrou uma jovenzinha, Beatriz, pela qual fi­cou espiritualmente subjugado, ela dominou toda a sua vida. A morte desta, em 1290, consumiu-o em lágrimas, obrigando-o a encontrar consolo na leitura de Boécio — De consolatione philosophiae

— e de Cícero — De amicitia. Parece ter encontra­do neles muito mais do que um remédio para sua dor.

 

Com esses autores abriram-se realmente para ele o horizonte e o desejo de saber. Pensou que a filosofia era algo superior. “Dirigiu-se, pois — diz-nos em Vida nova — para onde ela se mostra­va mais autêntica, isto é, nas escolas dos religio­sos e nas disputas dos filósofos.” Freqüentou as escolas de dominicanos e franciscanos de sua ci­dade onde se comentavam Aristóteles, Santo *Agostinho e São Boaventura. Entre os filósofos estava seu mestre Brunetto Latini e o primeiro de seus amigos, Guido Cavalcanti, averroísta e epicurista. Foi tal sua paixão pela filosofia que, depois de 30 meses, esquecera seu primeiro amor.

Casado com Gemma Donati, com quem teve pelo menos três filhos, superou sua crise juvenil com a primeira de suas obras, Vida nova (1295), na qual mescla prosa e verso no estilo de Boécio. Criador da primeira prosa italiana, revigorando seu espírito em chave religiosa, Dante manterá desde agora seu mundo ideológico e ético. “O homem virilmente ativo para continuar ‘virtude e conhecimento’, desprezador de baixezas e de ambições vulgares, o constante pensador, o firme crente, harmoniosamente coordenados, o trarão, junto à fama gradualmente conseguida, seu erigir­se em flagelador dos vícios e desordens gerais de seu tempo, seu constituir-se em mestre de vida, distribuidor da justiça, defensor de um ideal hu­mano superior e da restauração política e religio­sa. O estudioso não afogou, no entanto, o poeta”

(G. Mazzantini — A. Tognolo, Dic. de filósofos).

— Sua personalidade completa-se na ativida­de política. Participou ativamente na vida políti­ca florentina, como cultivador da “filosofia natu­ral” no grêmio dos médicos e boticários, perten­cendo ao partido “blanco”. Isso foi por volta de 1300. Nos anos seguintes e com a entrada dos “Néri” em Florença, viu como vieram abaixo seus ideais políticos. Em 1302, pela primeira vez, foi condenado ao exílio, depois trocado pela conde­nação à fogueira. Seguiram anos de desterro e de

anonimato por várias cidades, sem que seja fácil precisar datas de suas paradas. A partir de 1309 voltou para sua amada Florença, onde viveu até 1315. Nova condenação à morte para ele e seus filhos o obrigou a procurar um refúgio em Verona (1315-1320), onde precedeu-lhe sua fama de po­eta e de sábio. Sua permanência nesta cidade per­mitiu-lhe avançar na obra poética A divina comé­dia, que concluiu em Ravena. Morreu em Ravena, sendo levado até o sepulcro nos ombros dos prin­cipais cidadãos “como poeta e grande filósofo”.

— O pensamento de Dante foi expresso em sua variada obra. Inicia-se com Vida nova (1295) e termina em A divina comédia (1321). Entre es­sas duas datas trabalhou no Convívio (entre 1304­1307), ampla obra de filosofia aristotélica em que afirma que “Aristóteles é o filósofo mais digno de fé e obediência”. É a primeira obra de prosa científica italiana. O Convívio foi interrompido no 3º dos cantos dos 14 que Dante concebera. Também ficou interrompida sua obra De vulgari eloquentia, simultânea à anterior. Destaca algu­mas intuições sobre a filosofia da linguagem, o problema da formação das línguas etc. Depois vem o tratado filosófico-político De monarchia (1310-1313), uma das obras políticas mais inte­ressantes que nos deixou o período medieval. “Dante apresenta-nos sua própria visão política centrada numa distinção clara e precisa de duas ordens: Igreja e império. Ambos absolutos, autô­nomos e soberanos, têm o seu fundamento na pessoa humana que tende a um duplo fim: natu­ral e sobrenatural (Monarchia, III, XVI, 7). Essas ordens permanecem claramente diferentes, sem que o menos válido deva se subordinar de forma alguma ao que, por si só, já é mais válido”.

— Continuando bem próximo da Ética a Nicômaco de Aristóteles, Dante em sua Monarchia: a) Vê a vida do homem, segundo a natureza, como um desenvolvimento progressi­vo dirigido pela razão. b) Esse desenvolvimento racional do homem somente se dá num mundo politicamente organizado na monarquia, e na monarquia universal. c) Monarquia universal porque somente na universalidade é possível uma paz sem oposições (Monarchia, I, V-XVI). d) Mas o cristianismo revelou, também, o mundo da gra­ça, o Reino de Deus, para cujo desenvolvimento e plena realização está na terra o vigário de Cris­to, o papa. O pontífice tem a sua jurisdição sobre tudo o que é sobrenatural, e seu poder é monárquico e universal, isto é, católico, cujos li-mites estão marcados pela mesma finalidade de seu poder, dirigido a um fim ultraterreno. e) Im­perador e pontífice são independentes. A indepen­dência de ambos dentro dos próprios limites é absoluta e nenhuma autoridade, em seu próprio âmbito, tem ninguém acima dela.

Tal é a síntese política de Dante, respeitosa com a razão e com o dado revelado. Harmonia entre a fé e a razão, que muito logo se veriam quebradas.

— Que dizer de A divina comédia que já não se tenha dito? Concluída pouco antes da morte do poeta, em 1321, é o testamento poético do séc.

XIII. Toda a ciência, toda a especulação política, toda a experiência moral e espiritual da época se expressa nela, ao longo do caminho que conduz Dante e o seu guia do inferno ao purgatório, e por último, ao substituir Beatriz por Virgílio, através das esferas do paraíso, até um Deus que é a fonte suprema da luz.

— Toda a sua obra é um desenvolvimento de teologia humanista: Deus e o homem são os gran­des protagonistas da história. “O humanismo de Dante é um humanismo cristão; é integral, por­que abrange e valoriza todo o homem, em todas as suas atividades e dimensões; é um humanismo que reconhece o valor da vida social do indiví­duo na história; é um humanismo que não esque­ce a realidade humana de miséria e debilidades, como também não esquece que a mais alta meta, e sua maior perfeição, a alcança a pessoa na vi­são beatífica de Deus. Esse humanismo no qual coexistem, sem se anularem mutuamente, o uni­versal e o particular, Deus e o homem, Estado e indivíduo é certamente muito diferente do poste­rior humanismo do ‘Quatrocentos’ e do ‘Renascimento’. Esta é a mensagem imortal do divino poeta” (C. Mazzantini-A. Togno, o. c. 10).

BIBLIOGRAFIA: Obras: A divina comedia, Rio 1948; Obras completas: Edição espanhola de N. González-Ruiz (BAC); E. Gilson, Dante et la philosophie médiévale, 21953;

M. Asín Palacios, La escatología musulmana en la Divina Comedia, 21943. 

 

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