História da Igreja

Eckhart, Johann (1260-1327)

Conhecido desde a Idade Média como “magister Eccardus” e considerado o fundador da mística alemã. Pertenceram à sua escola homens como J. *Tauler (1300-1361), E. Suso (1295­1366), J. de Ruysbroeck (1298-1381) e muitos outros ao longo dos séc. XIV-XV. Todos eles — juntamente com o mestre Dietrich, que influen­ciou poderosamente Eckhart — são dominicanos. Todos têm um trabalho comum: a elaboração do chamado misticismo alemão que já não é “uma simples descrição da elevação do homem até Deus, mas a investigação da possibilidade desta ascensão e reconhecimento de seu fundamento último na unidade essencial de Deus e do ho­mem”.

J. Eckhart nasceu em Hochheim, perto de Gotha (Alemanha). Ingressou nos dominicanos e realizou seus estudos em Colônia e Paris. Con­cluída sua carreira, voltou a Paris como “magister in sacra página” (1302-1303). Daí passou a de­sempenhar o cargo de provincial dos dominicanos da Saxônia (1303-1311). Voltou a Paris com os maiores graus acadêmicos (1312-1314). Nesse último ano passou a reger a escola teológica de Estrasburgo, para viver os últimos anos de sua vida em Colônia, à frente do Studium generale da província alemã. Tanto sua pregação como suas aulas na cátedra levantaram suspeitas sobre sua ortodoxia, o que lhe valeu um processo que só terminou depois de sua morte.

Três atividades ocupam praticamente toda a sua vida: o ensino na universidade, a pregação e

o governo das comunidades dominicanas da Ale­manha. Frutos dessa atividade conjunta são as suas obras. Eckhart é considerado um dos iniciadores da filosofia alemã e um dos forjadores, senão o primeiro, do idioma alemão como linguagem fi­losófica e teológica.

Suas obras iniciais como Reden der Unterscheidung; Collatio in Libros Sententiarum e o Tractatus super orationem dominicam remon­tam ao ano 1298. As Quaestiones utrum in Deo; Utrum intelligere angeli; Utrum laus Dei são do período 1302-1304. Aos anos 1311-1314 perten­cem as “quaestiones” Aliquem Motum e Utrum in Corpore Christi, assim como sua obra em ale­mão Buch der göttlichen Tröstung — ou livro da divina consolação —. O Opus tripartitum foi con­cluído em 1323. Posterior é a sua obra Opus expositionum. A essas obras se devem acrescen­tar seus numerosos sermões, tanto em latim quan­to em alemão, e cuja datação não é fácil.

“A obra de Eckhart é a maior tentativa de jus­tificar especulativamente a fé — diz Abbagnano —, à qual a última escolástica tirara toda a funda­mentação das capacidades naturais do homem”. Sua obra é substancialmente “uma teoria da fé: sua fundamentação tenta estabelecer aquela uni­dade essencial entre o homem e Deus, entre o mundo natural e o sobrenatural” (Historia de la filosofía, I, 564).

Por outro lado, não é simples o pensamento de Eckhart. E compreendemos as dificuldades dos historiadores que desejam enquadrá-lo numa fór­mula ou designá-lo com um nome. Alguns vêem nele, antes de mais nada, uma mística; outros uma dialética platônica e plotiniana; é provável que todos tenham razão. Mística e dialética estão longe de se excluírem. Talvez não nos afastaríamos muito da verdade, imaginando Eckhart como alma devorada pelo amor de Deus, favorecida talvez por um intenso sentimento da presença divina e pedindo à dialética todas as justificativas que ela era capaz de lhe dar.

Com esse estilo, já podemos adiantar algumas de suas características, sempre com as reservas, contradições e antinomias que apresentam os seus escritos.

 

— Deus é o ser — esse est Deus — e o é na sua pureza e plenitude, esse purum et plenum. Deus é o Uno: o intelligere puro que se identifica com a unidade. É o mesmo que dizer que Deus é intellectus ex toto que Deus unus est.

— Ninguém mais que Deus é o ser. A criatura é um puro nada, pelo menos no sentido de que por si mesma não é.

— Mas a criatura é, pelo contrário, na medida em que participa do intelecto e do intelectual. É concebida para permitir a volta do homem ao Uno pelo conhecimento intelectual.

— A alma é uma substância espiritual. Nela Eckhart descobre um elemento mais secreto e propriamente divino, que designa com imagens diferentes: “centelha”, “chispa”, “castelos da alma”, “essência da alma”, “broto”, “pobreza do espírito”. Nomes todos que têm a sua origem his­tórica no “centro da alma” de Plotino e na “flor do intelecto” de Proclo. Ou melhor na mística cristã latina, especialmente em Santo *Agostinho, que a chama “acies cordis” ou agudeza do cora­ção. E em São *Boaventura. Essa centelha ou chispa da alma é o “fundo ou fio da alma” de nos­sos místicos, de onde Deus sai ao encontro da alma.

— Que é essa “centelha” ou “chispa” da alma? Uma chispa do entendimento divino, una e sim­ples como Deus. Uma das 28 proposições conde­nadas de Eckhart diz: “Na alma existe algo que é incriado e incriável; se toda a alma fosse igual, seria incriada e incriável, e isso é o enten­dimento”. É a idéia central no pensamento de Eckhart, e que nos leva, de forma direta, à união da alma com Deus, posto que já não é mais do que o Uno.

— Para chegar a tal união, o homem deve ele­var-se acima das criaturas e compreender que elas são apenas um puro nada. A única criatura que nos levará diretamente a Deus será a nossa pró­pria alma que, livre de todas as travas que a limi­tam, perceberá em si mesma a continuidade de seu ser com o ser do qual deriva. “Negando-se a

si próprio pelo amor de Deus, o homem voltará a se encontrar a si mesmo.” Somente assim a alma alcança sua independência e sua total liberdade: sua mais pura essência. Chegou à mais alta virtu-de: a pobreza e o desinteresse. Desde agora, a alma “já não sabe nada, já não pode nada, já não pos­sui nada”. A alma perdeu-se em si mesma, per­dendo o sentido de toda determinação, por seu retorno a Deus.

— “O resultado dessa união e abandono é que todas as prescrições da moral são secundárias ou vazias. Oração, fé, graça e sacramentos somente são preparações e meios. Tornam-se inúteis no momento em que se realiza na alma como que uma nova natividade de Deus. Já pode renunciar a todas as coisas, inclusive ao próprio Deus, pois não tem de desejar o que já possui. Por tal virtude suprema, confunde-se com Deus na beatitude de sua comum unidade” (E. Gilson, o. c., 642s.).

 

BIBLIOGRAFIA: Obras: El libro del consuelo divino. Madrid 1955; Cuestiones parisienses, 1962; Sermones, 1970. 

 

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