História da Igreja

Gnósticos (séc. II-III)

Escritos gnósticos ou literatura gnóstica. Du­rante os três primeiros séculos do cristianismo floresce uma literatura muito rica de autores. É a denominada literatura gnóstica, que tem como contrapartida a literatura agnóstica dos escritores alexandrinos e de outras escolas. O fenômeno destes escritos pode ser comparado ao atual “boom” das seitas. Como as seitas atuais, o gnosticismo e outras correntes de então organi­zaram uma propaganda muito eficaz e ganharam adeptos nas comunidades cristãs, valendo-se de uma interpretação do cristianismo baseada na gnose ou filosofia religiosa dos gregos. Além dos inimigos externos — o judaísmo e o paganismo — os autores cristãos têm uns inimigos internos muito mais perigosos: o gnosticismo e o montanismo, que tratam de minar, por dentro, tan-to a fundamentação espiritual e o caráter religio­so do cristianismo, quanto sua missão e caráter universais.

As origens do gnosticismo devem ser procu­radas na época helenística. Como conseqüência das conquistas de Alexandre no Oriente (334-324 a.C.), desenvolveu-se uma estranha mescla de religião oriental e de filosofia grega, conhecida como gnosticismo. Das religiões orientais tomou sua fé num dualismo absoluto entre Deus e o mundo, entre a alma e o corpo. Colocava a ori­gem do bem e do mal em dois princípios total­mente diferentes, e procurava com ânsia a Re­denção e a imortalidade. Da filosofia grega, o gnosticismo recebeu seu elemento especulativo. Assim, do neoplatonismo tomou a especulação sobre a Redenção e os mediadores entre Deus e o mundo; do neopitagorismo herdou um misticis­mo naturalista; e, do estoicismo, o valor do indi­víduo e o sentido do dever moral.

O gnosticismo penetrou nas comunidades cris­tãs quando essas se estabeleceram nas grandes cidades. As diferentes seitas gnósticas trataram de elevar o cristianismo do nível da fé ao da ciên­cia. A produção literária do gnosticismo foi enor­me, principalmente no séc. II, e grande parte dela é anônima. É formada por muitos evangelhos apócrifos, cartas e feitos dos apóstolos. Sua enor­me difusão e o caráter popular destes escritos fez estragos entre o povo. Mas também essa literatu­ra gnóstica compreende tratados teológicos, com­postos pelos mesmos fundadores de seitas e por seus discípulos.

Até há poucos anos, considerava-se perdida a maior parte dessa literatura. Em 1945 descobriu­se no Egito superior uma biblioteca gnóstica de 48 tratados, todos eles inéditos. Entre os numero­sos autores gnósticos, resenhamos aqui os princi­pais:

Basílides, professor de Alexandria, que vi­veu durante o império de Adriano e Antonino Pio (120-145). Escreveu um Evangelho e um comen­tário do mesmo, chamado Exegética, que desa­pareceu. O resumo de sua doutrina é dado por Santo *Irineu (Adv. haer., 1, 24, 3-4).

 

�.                Valentim, egípcio de nascimento e educa­do em Alexandria, instalou-se em Roma e ali pro­pagou sua doutrina. De suas obras restam somente fragmentos de cartas, homilias. Alguns lhe atri­buem algum tratado. Valentim teve muitos adep­tos tanto no Oriente quanto no Ocidente. Mere­cem ser citados entre os seus inumeráveis discí­pulos: Ptolomeu, que escreveu uma Carta a Flo­ra, sem dúvida a peça mais importante da litera­tura gnóstica que possuímos; Heraclião, o discí­pulo predileto de Valentim; Florino, contra quem Santo *Irineu escreveu duas cartas; Bardasanes, Harmônio, Teodoto e Marco são considerados também discípulos de Valentim no Oriente.

�.                Marcião é, sem dúvida, o autor gnóstico mais importante. Nascido em Sínope (Ponto), ins­talou-se em Roma próximo ao ano 140. Muito cedo começou a difundir suas idéias gnósticas, pelo que foi excomungado. Depois desse fato, Marcião formou a sua própria Igreja, com bis­pos, presbíteros e diáconos. Sua liturgia era mui­to semelhante à da Igreja Romana. Talvez por isso conseguiu mais seguidores do que as demais sei­tas gnósticas. São *Justino nos diz que a sua Igreja se “havia estendido por toda a humanidade”.

 

A única obra que Marcião escreveu,  Antítesis, perderam-se, assim como uma carta dirigida aos chefes da Igreja de Roma, na qual dava conta de sua fé. Conservam-se, não obstante, muitos frag­mentos. Marcião rechaça o Antigo Testamento, e Cristo não é o Messias profetizado por ele. Não nasceu da Virgem, nem sequer em aparência. Manifestou-se de repente na sinagoga de Cafarnaum, e desde então manteve uma aparên­cia humana que conservou até a sua morte na cruz. Derramando o seu sangue, redimiu todas as al-mas do poder do demiurgo. Os corpos não foram redimidos e continuam sob o poder do demiurgo.

Teve como discípulo Apeles, que lecionou em Alexandria e Roma. Segundo *Eusébio, nesta ci­dade teve uma discussão com Ródon, qualificada por *Harnack como “a mais importante disputa religiosa da história”. Aqui está a relação do pró­prio Ródon: “O ancião Apeles, quando veio con­versar conosco, ficou convencido de que havia muitas afirmações falsas. Desde então costuma­va dizer que não é necessário pesquisar a fundo o assunto, mas que cada qual deve permanecer em sua própria crença. Afirmava que todos os que depositam sua confiança no Crucificado serão salvos desde que perseverem nas boas obras. Mas, como dissemos, a parte mais obscura de suas dou­trinas é o que dizia sobre Deus”... (Eusébio, Hist. Ecles., 5, 13, 5-7).

BIBLIOGRAFIA: Sobre os primeiros gnósticos, ver J. Quasten, Patrología, I, 243-267; Los evangelios apócrifos (BAC), 3 vols. Os fragmentos gnósticos, em W. Volker, Quellen zur Geschichte der christlischen Gnosis. Tübingen 1932; A. Orbe, Cristología gnóstica, introducción a la soteriología de los siglos II y III (BAC), 2 vols.; Los Gnósticos. Introduções, traduções e notas de J. Montserrat Torrens. Gredos, Madrid, 2 vols. 

 

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