História da Igreja

Literatura autobiográfica

O gênero autobiográfico — diários, memóri­as, itinerários, confissões e autobiografias propri­amente ditas — tem sido cultivado na história do cristianismo de forma constante e esplêndida. Em todas as épocas encontramos exemplos magnífi­cos desta literatura. Como simples informação, e sem querer esgotar todos os autores, oferecemos um breve resumo da história literária da autobio­grafia.

O valor deste tipo de relatos reside nos teste­munhos diretos e pessoais de uma experiência e de uma fé vividas. Sua linguagem é concreta e fala de fatos ocorridos com alguém que sabe que são verdadeiros. Entre todas as formas apresen­tadas por esse gênero autobiográfico, sobressa­em os relatos dos convertidos. Nossa época é tes­temunha deste tipo de narrações e do impacto que causaram entre nós. E leitor desse tipo de litera­tura encontrará uma ampla gama de textos de homens que vêm ou retornam à fé do comunis­mo, da indiferença, do agnosticismo, da quebra e do pecado, de qualquer caminho e situação. Pode­se afirmar que tais histórias são paralelas às con­fissões do ateísmo, da descrença, da literatura geral atual? Talvez, mas o certo é que fica o valor deste relato testemunhal que o leitor saberá apre­ciar, em última instância, a melhor prova da pre­sença do invisível e do transcendente na existên­cia humana.

Outro dos subgêneros que se deve levar em conta é o epistolar. Mais íntimo e confidencial, oferece-nos uma fonte de experiências e vivências religiosas insuspeitas. Por trás de todos os gran­des escritores há uma correspondência que mere­ce ser lida. A grande riqueza psicológica e religi­osa das cartas estimula-nos a lê-las; no entanto, sua leitura ficou praticamente para estudiosos e eruditos.

O gênero autobiográfico a já parece no Novo Testamento. São típicas as Cartas de São *Paulo, nas quais constantemente se ouve a sua voz em primeira pessoa. Sua experiência mística e seu conhecimento do mistério de Cristo não é algo inventado. Os relatos em primeira pessoa encon­tram-se nos Atos dos Apóstolos. A partir do capí­tulo 20, fala-se na primeira pessoa do plural, dan­do à narração um ar muito pessoal de quem conta os fatos porque os viveu. Esse mesmo caráter autobiográfico aparece no último livro da Bíblia: o *Apocalipse.

Se deixarmos o marco restrito do NT, logo encontraremos as Cartas de Santo *Inácio de Antioquia, a Carta e o Martírio de São *Policarpo, assim como muitas das Atas dos mártires. Têm o selo do pessoal e confidencial. O cristianismo antigo deixou-nos pelo menos duas jóias da lite­ratura universal: as Confissões de Santo *Agosti­nho (388) e o Itinerário da Virgem Egéria (séc. IV-V). De suas peregrinações a Jerusalém, a es­panhola Egéria deixou-nos um documento vivo daquela comunidade, seus hábitos e costumes. Por sua vez, Santo Agostinho inicia propriamente o gênero autobiográfico, colocando-se como mo­delo não só da literatura religiosa, mas da univer­sal. As Confissões são o livro de referência obri­gatória para falar de conversão.

A Idade Média apresenta-nos também notá­veis exemplos de literatura autobiográfica. Alu­diremos tão-somente a alguns exemplos que têm a sua referência própria neste dicionário. Preste­se atenção à presença feminina desta época: *Gertrudes,*Hildegarda, *Ângela de Foligno, *Catarina de Sena, Juliana de Norwich, entre ou­tras. A obra dessas mulheres é eminentemente pessoal, confidencial e mística. Embora já tenha­mos feito alusão a *Abelardo, convém destacar sua produção autobiográfica como a Historia calamitatum, sem esquecer as Cartas de Abelardo e Eloísa, um dos documentos mais relevantes da Idade Média. Abelardo tem ainda duas Confis­sões de fé admiráveis.

Se algo merece ser destacado na literatura re­ligiosa do Renascimento e da Idade Média é seu caráter vivencial em cartas, relatos, autobiografi­as, poesia religiosa etc. Lembraremos Santa *Te­resa, São *João da Cruz, Santo *Inácio, *Inês da Cruz, Maria da Encarnação, *Bunnyan etc. Os movimentos espirituais da época — pietistas, quietistas, port-royalistas — ofereceram uma ri­queza impressionante de doutrina espiritual base­ada na experiência. Na obra de *Tomás Morus, por exemplo, não se pode esquecer sua mensa­gem e seu testemunho nas Cartas da torre. Ri­queza psicológica nas cartas de direção de mes­tres espirituais como São *Francisco de Sales, São Vicente de Paulo, e nas de almas como Santa Joana Frémyot de Chantal, Santa Luísa de Marillac, San­ta Margarida Mª Alacoque etc., que brilharam no séc. XVII francês. O mesmo se diz dos grandes mestres da direção espiritual e de pregadores des­ta época (séc. XVI-XVII): São João de Ávila, Segneri, Vieira, para não citar mais que alguns.

Passando por cima do séc. XVIII, escasso em literatura religiosa confidencial, adentramos os séculos XIX e XX, que podem ser caracterizados por um “boom” da literatura autobiográfica, pa­ralela à que floresce no campo profano. O gênero epistolar, as memórias, os relatos, as autobiogra­fias, as confissões de fé etc., prodigalizam-se de forma inusitada. Seria interminável citar aqui a relação completa de obras e autores. No século XIX temos documentos esplêndidos desta litera­tura. Mencionarei, como exemplo, os mais conhe­cidos: Apologia pro vita sua do cardeal *Newman, junto à produção nascida em torno do “movimento de Oxford”. Uma segunda obra é o Relato de um peregrino russo, *hesiquia, que foi uma verda­deira revolução quando foi descoberto nos mea­dos do século passado. E outro exemplo mais entre muitos: História de uma alma, de Santa Teresinha do Menino Jesus (1873-1897), um dos textos mais delicados da espiritualidade moderna.

Do século XX é impossível dar uma lista sufi­ciente, não completa, de obras e autores deste gênero. Autores como *Chesterton, *Merton, Psichari, G. von Le Fort, Sigrid Undset, E. Zolli, e um longo etecétera, escreveram sua experiên­cia e sua aventura cristã. Eles e muitos outros vêm demonstrando a vitalidade e a atualidade deste tipo de escritos. João XXIII deixou-nos seu Diá­rio espiritual, um verdadeiro documento autobi­ográfico.

BIBLIOGRAFIA: Para a leitura dos autores e obras ci­tados, remetemos aos artigos correspondentes deste dicio­nário. Como complemento, indicamos os seguintes: Severing Lamping, Hombres que vuelven a la Iglesia, Madrid 1948; John O’Brien, Los prodigios de la gracia (The Road to Damascus). Trad. de Pedro R. Santidrián. Madrid 1952; Douglas Hyde, Yo creí (I Believed). Trad. de Pedro R. Santidrián. Barcelona 1954; Testimonios de la fe. Relatos de conversiones. Sigrid Undset, Peter Wust, Mac Jacob... (Patmos). Rialp, Madrid 1950; E. Zolli, Mi encuentro con Cristo (Patmos). Rialp, Madrid 1950; João XXIII, Diario de un alma; Paulo VI, Testamento espiritual. 

 

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