História da Igreja

Lúlio, Raimundo (Ramon Llull) (1235-1315)

“Fui casado, pai de família em boa situação financeira, lascivo e mundano. Renunciei a tudo isto de bom grado com o fim de poder honrar a Deus, servir ao bem público e exaltar nossa santa fé. Aprendi o árabe, viajei muitas vezes para pre-gar aos sarracenos. Detido, encarcerado e açoita­do pela fé, trabalhei durante cinco anos para co­mover os chefes da Igreja e os príncipes cristãos em favor do bem público. Agora sou velho, agora sou pobre, mas não mudei de propósito e perma­necerei no mesmo, se Deus o concede, até a mor­te.” Eis o auto-retrato de R. Lúlio tal como o dá em seu Disputatio clerici et Raymundi phantastici.

Nascido em Palma de Maiorca, serviu na cor­te de Jaime II. Como conseqüência de uma visão, tornou-se terciário franciscano (1265) para dedi­car-se à conversão dos muçulmanos, tanto com a palavra e testemunho direto quanto com seus es­critos. Essa causa dominou toda a sua vida. A partir de 1288, começou a viajar por diferentes cidades para propagar suas idéias. Nesse mesmo ano lecionou em Paris sobre o que depois veio a ser seu Ars generalis ou Ars magna, uma lógica que concebe como ciência universal, base de to­das as ciências. De Paris passou à Tunísia, Nápo­les e Oriente. Depois de vários anos, regressou pelo mesmo caminho e voltou a visitar as cidades européias, sempre com o propósito de interessar príncipes e hierarquias eclesiásticas por suas idéi­as. Finalmente, em 1314, embarcou rumo à Tunísia e, segundo a lenda, morreu apedrejado pelos muçulmanos no dia 29 de junho de 1315.

A história não nos pode fazer esquecer de toda a lenda em torno deste homem fantástico, missi­onário e filósofo, literato catalão, místico e poe­ta, cavaleiro andante de sua idéia e um pouco mágico. Conhecemos mais de 250 obras suas, escritas em catalão e em árabe, que ele procurou traduzir para o latim. Nestas, Lúlio fala com fre­qüência de si mesmo como um homem fantasioso (“phantasticus”) e inclusive como um iluminado. “Doctor illuminatus” é, efetivamente, o título des­te mestre que acredita ter recebido sua doutrina de uma revelação divina, e que se dedicou com um ardor um tanto quimérico e quixotesco a pro­pagar um método apologético inventado por ele.

A obra de Raimundo Lúlio é a expressão de seu caráter polifacético. Costuma ser dividida em cinco grandes blocos: 1) Obras enciclopédicas, como o Liber contemplationis, escrito primeiro em árabe e traduzido depois para o catalão: Contemplació en Deu (1271-73), e o Arbor scientiae (1295). 2) Obras científicas: Liber principiorum medicinae; Ars compendiosa inveniendi veritatem, seu Ars magna et maior; Ars inveniendi particularia in universalibus; Liber propositionum etc. 3) Místicas: Llibre de amic e amar, Llibre de Erast e Blanquerna, compreen­didos os dois últimos no título mais geral de Art de contemplació. 4) Finalmente, uma série de obras, umas publicadas e outras inéditas, teológi­co-filosóficas. São apócrifos os escritos alquimis­tas e cabalísticos que levam o seu nome.

Observada a vida e, um pouco, a obra de R. Lúlio, surge a pergunta: quem realmente era e quem continua sendo R. Lúlio? Que juízo mere­cem hoje a vida e a obra deste homem? Num afã de síntese, apontamos estes valores:

 

1.       Em primeiro lugar, R. Lúlio era um franciscano de mente e espírito, com a sensibili­dade do próprio São Francisco. Um franciscano devorado pelo zelo da conversão dos infiéis, en­tre os quais considera os muçulmanos.

2.       Um homem de um forte ideal. “O que Lúlio pretende é converter o infiel, mas não é possível atingir essa finalidade se a razão não apóia a cren­ça. Daí a necessidade de demonstrar racionalmen­te os artigos da fé a que responde o Ars magna ou Ars generalis, que é em última instância um ‘ars inveniendi’, uma arte da invenção na idéia da mathesis universalis prosseguida por Descartes e Leibniz” (Ferrater Mora).

3.       Isto transforma Lúlio num dos grandes mes­tres da lógica. Em Ars magna, estabelece os prin­cípios de uma ciência geral na qual estão implíci­tos os das ciências gerais. Mediante esta ciência, podem-se aprender facilmente as ciências parti­culares.

 

Portanto, a Ars magna é a arte de combinar os termos simples e predicados absolutos — 9 predicados relativos, 9 questões, 9 sujeitos, 9 vir­tudes e 9 vícios — para o descobrimento sintéti­co dos princípios das ciências. Esta é a idéia mais original de Lúlio, que tantos discípulos e segui­dores lhe proporcionaram. Até o próprio Leibniz recolheu mais tarde o conceito luliano de uma arte combinatória, dirigida a descobrir, por via sinté­tica, as verdades das ciências.

4. E como ponto culminante há algo profundo e misterioso na figura de Lúlio: seu misticismo, seu iluminismo que tem suas raízes em Platão, Santo *Agostinho, São *Francisco, São *Boaventura. “Parece que lhe deram uma luz para discernir as perfeições divinas — diz de si pró­prio — em relação a algumas de suas proprieda­des e relações mútuas, segundo todas as relações que têm entre si... Por essa mesma luz conheceu que o ser total da criatura não é outra coisa do que uma imitação de Deus.”

“O mundo moderno está cheio de idéias cris­tãs que se tornaram loucas” (Chesterton). Muitas idéias cristãs elaboradas por Lúlio correm hoje em lábios de quem nem sequer o conhece. Tal é a fecundidade deste grande mestre e doctor ilumi­nado que ainda surpreende o mundo.

BIBLIOGRAFIA: Obras literarias de Ramón Llull: Libro de Caballería; Libro de Evast y Blanquerna; Fénix de las maravillas; Poesía (em catalão e castelhano). Edição preparada por M. Batllori e M. Caldentey (BAC); Id., Obres essencials, 1957-1960, 2 vols., com a bibliografia ali apre­sentada. 

 

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