Petrarca, Francesco (1304-1374)
Nasceu em Arezzo e morreu em Arquà sui Cilli Euganei. Petrarca é considerado o iniciador e mestre do humanismo. Se *Dante ainda está ligado, doutrinalmente, à Idade Média, Petrarca afasta-se daquele mundo até mesmo em sua doutrina. Viu nos Studia humanitatis um instrumento muito eficaz e uma nova força espiritual para criar uma nova cultura e uma nova concepção da vida.
Em que consistia essa nova cultura e concepção da vida? Petrarca deixou-o bem claro em sua primeira obra De sui ipsius et multorum ignorantia (1337-1338), chamando a um retorno à antiga sabedoria romano-cristã representada por Cícero e Santo *Agostinho. A sabedoria clássica e cristã é a que se fundamenta na meditação interior, através da qual a personalidade do homem aclara-se e se forma. O modelo e o método neste retorno ao interior é, para Petrarca, Santo Agostinho. É o mais próximo de seu espírito e a quem procura retornar continuamente.
�. Esse procedimento foi aplicado em sua obra posterior De contemptu mundi (entre 1347-1353), conhecida também como Secretum. Santo Agostinho compendia todas as exigências e ensinamentos de Petrarca. No diálogo entre Francisco e Agostinho, o poeta faz uma confissão de seu conflito interior. Confessa ser vítima da acídia — o tédio doloroso da vida — a doença medieval dos claustros. Encontra a resposta nas Confissões de Santo Agostinho, que sempre levava consigo. “Os homens se esquecem de si próprios e ficam sem admiração diante de si mesmos.” Terminou reconhecendo que toda a sabedoria antiga tende a concentrar o homem em si mesmo e que o “noli foras ire” agostiniano e o “scito te ipsum” socrático são equivalentes.
�. Descobre também que toda a sua vida está dividida entre a admiração pela natureza e a incitação da sabedoria. Em seu espírito, combatem o chamado do mundo e o convite à concentração interior. Essa é a luta característica de sua personalidade. Vive a experiência do contraste entre a fuga do mundo e a procura das honras, a coroação no Capitólio, a glória, o amor de Laura, o amor à natureza e o desejo de riquezas e de glória. O contraste é reconhecido como lei de vida em sua obra posterior De remediis utriusque fortunae (1366). “Tudo — afirma — acontece através do contraste, e o que se chama aventura na verdade é luta.” “E a luta maior, mais dura, é a que se estabelece dentro do homem.” “Nunca está completo; nunca é uno, mas está internamente em discordância e lacerado.”
�. Esse pessimismo petrarquiano fica suavizado com o anúncio e a esperança do renascer de uma era de paz. Anuncia o retorno à idade áurea do mundo, ou seja, à era da paz e da justiça: “Anime belle e di virtute amiche terranno il mundo...”.
E o retorno à idade áurea é um regresso a “le opere antiche”, aos costumes e às artes antigas. Para esse advento contribuiu com sua obra de poeta e de historiador. Seu poema África, seu livro De viris illustribus não são mais do que a tentativa de adiantar a vinda da idade de ouro com o exemplo das grandes figuras da Antigüidade. Nesta mesma linha inscreve-se sua obra Rerum memorandarum libri IV (incompleta). No De vita solitaria advoga pelo otium, garantia da liberdade do espírito contra a dispersão de quem se deixa dominar pelas ocupações mundanas, tal como se manifesta na vida dos eremitas cristãos.
— Numa síntese muito condensada do pensamento de Petrarca — não nos ocupamos de sua arte e poesia —, podemos concluir: a) em Petrarca,
o culto à Antigüidade clássica e cristã leva consigo uma crítica à Idade Média, o descobrimento numa primeira formulação das linhas programáticas da consciência moderna; b) Petrarca contribui ainda com a formação do aspecto filosófico e especulativo do humanismo. Para isso faz uma crítica do aristotelismo em todas as suas formas, desde o averroísmo até a escolástica; c) ao aristotelismo Petrarca contrapõe uma sabedoria que não é uma filosofia em sentido intelectualista, mas uma concepção da vida em função de suas exigências morais e religiosas. Para isso aponta na direção de três homens: Platão, Cícero e Santo *Agostinho. Deles receberá a preocupação pelo homem e por todos os seus problemas morais e religiosos.
“O pensamento filosófico de Petrarca manifesta-se no desinteresse pela ordem da natureza, na aversão a toda forma de cosmologismo, na redução da filosofia ao problema da interioridade humana e o caráter essencialmente religioso da busca da sabedoria, orientada para uma fundamental finalidade soteriológica. Nessa orientação já existe um sensível afastamento da espiritualidade medieval, assim como uma clara antecipação da consciência moderna” (Diccionario de filósofos).
BIBLIOGRAFIA: Francisci Petrarcae Opera omnia. Basiléia 1581; Diccionario Bompiani de Autores Literarios. Planeta-Agostini, Barcelona 1987.
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