História da Igreja

Wiclef, João (1330-1384)

Os historiadores modernos viram em Wiclef uma das figuras-chave para interpretar a Idade Média eclesiástica tardia. Faz parte dessa elite de homens, como *Marsílio de Pádua, João Huss, Jerônimo de Praga, os “lolardos” e outros — en­tre os quais se contam também os santos e santas do calendário — que promoveram a reforma da Igreja e lutaram para impô-la. A importância de Wiclef consiste na radicalidade de sua atitude polêmica mais do que em sua doutrina. Pode-se dizer que o movimento determinante de sua ati­vidade é a luta contra a autoridade eclesiástica. Também não é difícil ver nele uma figura que ilu­mina e explica o complexo fenômeno da posteri­or Reforma luterana.

João Wiclef nasceu de uma família de lavra­dores. Sua vida foi marcada por três etapas per­feitamente diferenciadas. A primeira, de forma­ção e estudo em Oxford, que se prolongou até 1371. Nessa época foi mestre no colégio Balliol. Iniciou a carreira eclesiástica, que usa como meio para prolongar e financiar seus estudos, que lhe permitiram colocar-se como eminente filósofo e teólogo. A partir de 1372, começou sua segunda etapa como líder e agitador radical de um movi­mento para denunciar o governo e a corrupção da Igreja. Finalmente, em sua terceira etapa, entre 1378-1379: um período de estudo, reflexão e afas­tamento na paróquia de Lutterworth. Aqui se radicalizaram ainda mais suas idéias que expôs por escrito e propagou por meio de missionários “evangélicos pobres”, convertidos depois, mui­tos deles, nos famosos “lolardos”. Morreu vio­lentamente, defendido por seus nobres patronos da ira do povo.

 

�.                A vida, a obra escrita e a atividade de Wiclef devem ser entendidas a partir da exigência de lim­par a teologia e a prática cristãs das degenerações e excrescências de sua época. Queria levar à cons­ciência e ao ânimo dos fiéis a diferença entre a Igreja como é e o ideal da Igreja como devia ser. Isso pressupõe uma visão crítica e histórica ao mesmo tempo: ambas estão presentes em Wiclef, como o estão, mais ou menos claramente, em muitos outros contemporâneos seus.

�.                 Para Wiclef, os responsáveis pela corrupção da Igreja e suas crenças são: o papa, os bispos, monges, padres, o clero em seu conjunto. Quase toda a sua doutrina é uma ata de acusação contra

 

o sistema eclesiástico em todas as suas formas e instituições. Firmemente convencido da natureza e missão da Igreja, afirma: a) Somente os predes­tinados são os verdadeiros membros da Igreja. b) O Corpo Místico de Cristo pode viver à margem da hierarquia. Tal como estão as coisas, seria de­sejável e saudável para a Igreja que não houvesse papa nem cardeais. c) Vê a Igreja de seu tempo como a perversão completa do cristianismo e a critica em todos os seus aspectos. Do ponto de vista social, o clero é a causa principal das misé­rias civis, já que monopoliza uma quantia enor­me de dinheiro e riqueza que seriam suficientes para satisfazer as necessidades dos pobres. Os mosteiros especialmente tornam estéreis as ter­ras e despovoam os campos. E, do ponto de vista cristão, a abominação eclesiástica é ainda maior.

 

— No fundo da polêmica Wiclefiana, existe a contraposição espiritualista entre a Igreja como Corpo Místico e a Igreja como organismo social, entre a religião que vive na alma e a que somente estava na rotina. Por isso, tratou de procurar seus fundamentos, sobretudo na terceira época de re­fúgio em sua igreja rural. E o que primeiramente propôs foi um retorno à revelação tal como con­tém a Bíblia do Antigo e do Novo Testamento, tomada literalmente e entendida em seu verda­deiro espírito. Para esse fim, escreveu sua obra A verdade da Sagrada Escritura, apontando esta como norma única da fé. Propôs também que a Bíblia deveria ser lida por todos os cristãos e não somente pelo clero. Para facilitar a leitura, tradu­ziu a Bíblia para o inglês do texto latino da Vulgata e mandou-a para “evangelistas pobres” por toda a Inglaterra para difundi-la.

— Em 1379, escreveu seu livro sobre O po­der do papa. Determina estas proposições: o papa não é de instituição divina; não é infalível; a Igreja pode prescindir dele etc. Em sua Apostasia e em seu Tratado da eucaristia, escritos entre 1379­1380, afirma que a mensagem de Cristo é perfei­ta, não há nada que acrescentar a ela. Deve-se repudiar, portanto, tudo o que lhe é incorporado: a penitência auricular, o dogma da transubstanciação etc. Sobre esta última, pronun­cia-se contra Santo *Tomás e *Duns Scot. Para Wiclef, a transubstanciação é um milagre inútil. O que importa não é a recepção material do Cor­po de Cristo, mas a comunhão espiritual com ele: a Eucaristia é, sobretudo e antes de tudo, um sím­bolo.

Para concluir, Wiclef insiste na necessidade de uma verdadeira piedade, consistente no exer­cício das virtudes cristãs, não nos ritos em si, e muito menos no culto supersticioso ou nas práti­cas exteriores, como o culto às relíquias, a com­pra de indulgências, funerais especiais.

— Foi imensa a obra de Wiclef na Inglaterra. Cedo se estendeu pelo continente, particularmente em Praga, onde teve muitos divulgadores como João Huss, Jerônimo de Praga e muitos outros. As teses de Wiclef respondiam a uma situação geral da Igreja, e ali onde a coerção da hierarquia não pôde impedir sua penetração, exerceram uma enorme influência. Sem dúvida, por isso o Con­cílio de Constança (1414-1418) de alguma forma uniu, no castigo, Huss e Wiclef: condenou o pri­meiro à fogueira (1415) e, do segundo, condenou 45 proposições ou erros. Posteriormente (1428) foram desenterrados seus ossos e queimados.

 

BIBLIOGRAFIA: L. P. Hughes, A History of the Catholic Church. London 1934-1947, 3 vols.; John Stacey, John Wyclef and Reform4 1964. 

 

CONTRIBUIÇÃO COM O SITE
 
marcio ruben
pix 01033750743 cpf
bradesco

Examinais as Escrituras!

FILOSOFIA