Sartre, Jean-Paul (1905-1980)
Filósofo, novelista e dramaturgo, é o representante de uma forma de existencialismo que se reconhece ateu. “Sou o ateu perfeitamente lógico”, diz. Ídolo da juventude e da intelectualidade francesa durante muitos anos, Sartre alimentou uma clientela numerosa e variada com novelas, peças de teatro, ensaios e estudos. Se a isso acrescentamos sua participação no rejuvenescimento do marxismo e numa ação múltipla para fazer dele instrumento de mudança da sociedade, teremos a explicação da popularidade do seu nome e da difusão das suas idéias.
Existencialismo e marxismo foram os dois pólos em torno dos quais giraram sua vida e seu pensamento. “Se o marxismo retoma sua inspiração originária e redescobre dentro de si a dimensão humanista, o existencialismo já não terá razão de ser.” Deixará de existir como uma linha de pensamento diferente e será absorvido, retido e superado no “movimento totalizador da filosofia viva e pujante do nosso tempo”. O marxismo é, sem dúvida, a única filosofia que expressa realmente a consciência do homem que vive num mundo de “escassez”, num mundo em que os bens materiais estão distribuídos sem eqüidade e que, como conseqüência disso, caracteriza-se pelo conflito e pelo antagonismo entre as classes. E um marxismo humanizado, existencializado, seria a única filosofia autêntica da revolução. Sartre, pois, procurou combinar existencialismo e marxismo, reinterpretando esse último à luz de uma antropologia existencialista.
Se tivéssemos de resumir seu pensamento, diríamos que a sua filosofia propõe e analisa um humanismo ateu, em que “o homem é uma paixão, mas uma paixão inútil”. Em que a liberdade do homem não serve para nada, já que “se esgota na busca de uma síntese impossível que deveria torná-lo Deus”. A existência é “obscena”, de uma superabundância viscosa, na qual a liberdade se interliga. O homem nada mais é do que o seu projeto; somente existe quando se realiza, é tudo um conjunto de seus atos, nada mais é do que a sua própria vida. O homem é totalmente e sempre livre ou nunca o será. No entanto, ao querer a liberdade, descobrimos que ela depende inteiramente da liberdade dos outros, e que a liberdade dos outros depende da nossa. Onde fica, então, a liberdade humana?
Da mesma forma, o existencialismo humanista de Sartre postula a não-existência de Deus. “Não pode haver um Deus, se por Deus entendemos um ser autoconsciente infinito.” O conceito de Deus é em si mesmo contraditório, posto que trata de unir duas noções que se excluem reciprocamente, a do ser-em-si e a do ser-para-si. Por emsi entende-se a não consciência. Para-si vale tan-to quanto a liberdade. O homem é livre, em sua própria liberdade, sempre referente a outra coisa; é consciência de outra coisa que não seja ele. Se existisse Deus, por força teria de ser ao mesmo tempo consciência pura, absoluta, e consciência de um em-si, do qual se distinguiria, que seria e não seria, identicamente e sob o mesmo respeito. Essa noção de em-si-para-si deve ser rejeitada por ser contraditória. A hipótese de Deus é impensável. Deus não existe.
Uma conclusão importante tirada por ele mesmo é que, se Deus não existe, os valores dependerão inteiramente do homem e são criação sua. O ponto de partida do existencialismo, segundo Sartre, é a frase de Dostoyevski: “Se Deus não existe, tudo é permitido”. Se não há Deus, é obvio que não há nenhum plano divino pré-ordenado; não pode haver nenhum ideal comum da natureza humana, para cuja realização, mediante as ações do homem, tenha sido criado. O homem é enviado inteiramente a si mesmo, e não pode justificar sua escolha de um ideal, recorrendo a um plano divino para a raça humana. A idéia de que existam valores absolutos subsistindo por si mesmos, sem pertencer a uma mente divina, em al-gum reino celestial, é totalmente inadmissível para Sartre.
Muitas outras conclusões poderiam ser tiradas de suas doutrinas, entre elas seu declarado antiteísmo, sua negação do mundo sobrenatural, sua oposição ao fato cristão etc. Sua obstinada implantação da liberdade — o homem é liberdade — incapacita-o para não ver além dos fenômenos que nos rodeiam.
BIBLIOGRAFIA: A produção literária e crítica sobre Sartre é imensa. Algumas obras em português: Marxismo e existencialismo; A náusea; Sartre no Brasil: a conferência de Araraquara; O muro; A imaginação; A defesa dos intelectuais; Com a alma na morte; Diário de uma guerra estranha; E. Frutos, El humanismo y la moral de Jean Paul Sartre (crítica), 1949; R. Troisfontaines, El existencialismo de Jean Paul Sartre, 1950; Ch. Moeller, Literatura do século XX e cristianismo, II, 31-96.
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