Gide, André (1869-1951)
A presente análise não quer nem pode ser um estudo completo da complexa personalidade de Gide. Tendo como fundo sua vida e sua obra, tenta orientar a leitura deste escritor e moralista francês que recebeu o prêmio Nobel em 1947. E mais: é uma orientação para se descobrir sua atitude ante os valores morais e cristãos. A influência que esse autor teve na primeira metade do século e a “Consideração de grande humanista e moralista na grande tradição do século XVII francês” são as razões de sua presença aqui.
A obra literária de Gide sustenta-se sobre o argumento de si mesmo. É um relato pessoal da sua difícil e atormentada travessia pelos mares deste mundo. Em torno do tema de seu eu, escreveu as frases mais brilhantes e ambíguas: “Não sou mais que um menino que se diverte, e ao mesmo tempo um pastor protestante que o enfastia” (Diário, 1907). “Nunca soube instalar-me na vida. Sempre sentado de lado, como num braço de sofá: disposto a levantar-me, a partir.” Em 1926 confessará, em meio a sua angústia, a sua procura de Deus: “O catolicismo é inadmissível; o protestantismo intolerável; e eu me sinto profundamente cristão”, para acabar criando a sua própria ética, anulando seu sentido de culpa, e chegar a ser ele mesmo. Os que o conheceram e com ele conviveram viram nele a “inversão generalizada” incapaz de cumprir em si mesmo o “dever de ser feliz”, “de amar e ser amado”, primeira e última razão de sua vida e de sua obra. “Seria mais fácil caracterizá-lo como um caso de coquetismo absoluto, que iludiu todo compromisso, em especial o religioso, depois de desfrutar as emoções de uma vaga piedade panteística, de uma tradicional moral calvinista e de uma aproximação ao catolicismo... E também o compromisso político, limpando — Retorno da URSS — as possíveis implicações de uma viagem (1936) em que, na Praça Vermelha, havia descoberto, pela primeira vez, que ‘o escritor não é um opositor’. Mas também não passando a um anticomunismo militante”
(José M.ª Valverde, Historia de la literatura universal, 8, 83s.)
A obra de Gide possui “a sugestão do narcisista, que atrai os demais porque somente está atraído por si mesmo — neste caso, atraído mas não absorto —; certamente, uma atração que deve muito à sua prosa nítida e equilibrada, que não parece esforçar-se para conquistar-nos” (Ibid., 486-487). Sempre elusivo e automarginalizado, disponível somente para si mesmo, em 1891 e com
o título Cadernos de André Walter, expôs suas tendências homossexuais. Procura a salvação de sua angustiada juventude no matrimônio com sua prima, a quem não desejava: “Teu corpo me coíbe e as possessões carnais me espantam”. Sua tendência vai por outro lado, como nos lembra em O imoralista (1902). Através de suaves veladuras seminovelísticas, “aparece a pederastia em contraste com uma viagem ao mesmo tempo matrimonial, quase em branco, e cheia de afeto e angústia pela tuberculose que passa de um para outro”.
O mais importante na obra de Gide é seu livro Os alimentos terrestres (1897). O autor incita um jovem, Natanael, a amar a terra, a vida e as coisas, em tom ao mesmo tempo sensual e religioso. Sua mensagem final: “Não te amarres em ti mais do que ao que sentes que não está em nenhuma parte mais do que em ti mesmo”. A sua novelística incorpora uma enorme problemática religiosa e moral, como em A porta estreita (1909) e A sinfonia pastoral (1909). O tema de si mesmo o encontramos em Coridon (1923), onde defende suas inclinações e costumes, uma vez que sua mulher separou-se dele depois de conhecer sua inclinação. A partir dessa data, abundam seus escritos autobiográficos, sobretudo o seu famoso Diário, a mais sugestiva de suas obras e cheia de agudeza nas suas observações.
“Eu era bastante semelhante ao filho pródigo, que vai dilapidando grandes bens”, escreveu Gide em 1932. De um ambiente puritano desejoso de vida pura e transcendente, primeiro junto à sua mãe e depois ao lado de sua mulher, o escritor passará a descobrir “os alimentos terrestres”. “Eu continuo sendo filho desta terra”, dirá no final de sua vida. Há em Gide uma constante conversão para a vida, o mundo e os sentidos. Acaba rompendo definitivamente com sua vida e com suas primeiras convicções cristãs.
“O que me entristece, aponta Charles Moeller, é a espécie de fervor ‘apostólico’ com que Gide propõe seu antiteísmo; ele dá a impressão de estar na posse de uma verdade derradeira a entregar aos homens... Parece que fazia, durante os últimos anos da sua vida, uma espécie de apostolado ao inverso. Ele aproveitava todas as ocasiões para tentar convencer os seus melhores amigos da verdade do seu ateísmo. Gide sectário, prosélito da descrença, ele que dizia não querer comprometer-se nem servir nenhuma ideologia! Na verdade, esta final metamorfose do nosso Proteu tem qualquer coisa de trágico” (Ch. Moeller, Literatura do século XX e cristianismo, I, 184s.).
BIBLIOGRAFIA: Obras em português: Coridon; Os frutos da terra; Os moedeiros falsos; Paludes; A porta estreita; Se o grão não morre; A sinfonia pastoral e outras; nos Clásicos del siglo XX. Plaza e Janés, Barcelona, 5 vols.; Ch. Moeller, Literatura do século XX e cristianismo. I.
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