História da Igreja

Hesiquia

Hesiquia ou hesiquismo são duas palavras gre­gas que significam tranqüilidade, quietude, sere­nidade. Designam, ao mesmo tempo, um estado interior de paz, de silêncio profundo, em que se instala o monge, e a condição exterior propícia para que possa acontecer esse estado. A Hesiquia não representa um fim em si mesma; é um meio para favorecer a vida contemplativa e chegar à união com Deus. Historicamente é um método e uma escola de oração que, partindo da Bíblia, pra­tica-se na Igreja, sobretudo no Oriente, e que tem dado grandes mestres e seguidores, alguns dos quais podem ser consultados neste mesmo dicio­nário (Gregório *Palamas, *Cabasilas). Também se chamou “oração do coração” ou “oração de Jesus”.

Que é hesiquia? Segundo São João Clímaco, “a hesiquia do corpo é a disciplina e o estado pa­cífico dos costumes e dos sentimentos; a hesiquia da alma é a disciplina dos pensamentos e um espírito inviolável”. “O hesicasta é aquele que as­pira circunscrever o incorporal numa morada cor­poral, que é o supremo paradoxo... A cela do hesicasta são os estreitos limites de seu corpo e essa cela contém toda uma casa de conhecimen­tos” (Degrau 25 da escada mística). É, portanto, uma prática e método de interiorização de Deus na alma, valendo-se de recursos exteriores que a memória recorda uma vez ou outra. O hesicasta tenta chegar à união e contemplação de Deus atra­vés dos meios que lhe oferece o mundo exterior e que encontra à sua mão. Serve-se fundamental­mente de pequenas orações, como o “pai-nosso”

 

�.                 a oração de Jesus — ou a invocação do nome de Jesus: “Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim”. Essas pequenas fórmulas, constante­mente repetidas, “têm o efeito surpreendente de nos colocar diante de Deus” invocando-o com suas próprias palavras. A repetição da oração fa­vorece a volta da memória. Por sua vez, o hábito da oração, que conduz à oração constante, trans-forma-se num estado permanente em que memó­ria, entendimento e vontade sentem-se submersos em Deus. Isto permite à alma um estado de re­pouso nele. Por outro lado, o silêncio e a solidão aumentam a memória de Deus naqueles que, pau­latinamente, se sentem possuídos por ele. Isto leva a evitar tudo o que nos pode afastar de Deus ou alterar a alma. Daí a necessidade de vigiar o co­ração, de descer constantemente ao fundo de si próprio para poder chegar a uma oração pura: “Persevera sem cessar no nome do Senhor Jesus

�.                 diz São João *Crisóstomo — a fim de que o coração assimile o Senhor e que o Senhor absor­va o coração, e que os dois se tornem um só”.

 

Tal como assinalamos, a hesiquia é fruto de uma práxis que nasceu com os primeiros cristãos acostumados a pronunciar o nome de Jesus, ou fórmulas breves de oração que contêm esse nome. Mas principalmente uma práxis cultivada e aper­feiçoada na solidão e no silêncio do deserto por anacoretas e monges. É uma oração breve e con­tínua, da qual temos referências nas vidas dos padres do deserto (*Sentenças dos Padres). En­tre essas breves fórmulas destaca-se a invocação de Jesus: “Senhor meu, Jesus Cristo, tem piedade de mim”; “Meu Senhor Jesus, socorre-me” (São Macário). E outras, como “Senhor Jesus, guia­me”; “Senhor Jesus, abençoa-me” etc. Evágrio transmitiu-nos muitas exemplos desta oração dos padres do deserto (*Evágrio, *Cassiano).

A hesiquia não acaba no deserto do Egito. Encontramo-la também na espiritualidade de três grandes centros do Oriente: no mosteiro de Santa Catarina do monte Sinai, no do Stoudion de Constantinopla e no monte Athos da Grécia. No primeiro deles encontramos São João Clímaco, autor da Escada santa ou escada espiritual (570­649). Esse monge, junto com Hesíquio, Sinaíta (séc. VIII-IX), desenvolveram o método hesicasta a partir de uma experiência pessoal. No mosteiro de Stoudion (estuditas) encontramos também a figura de São Teodoro (759-826). Entregou-se à oração contínua, o que lhe valeu o apelido de “aquele que não dorme”, ou “acemetes”. Seguiu­lhe São Simeão o “Novo Teólogo” (949-1022), o grande místico bizantino. “Sem experiência — diz — a teologia é inútil; com a experiência, é demais”. Em meados do séc. X, o monte Athos transformou-se em algo assim como a capital do monaquismo oriental. Afastados do mundo, os monges de Athos formaram pequenas comunida­des. Seu método de oração foi a hesiquia. Houve entre os monges grandes mestres e também opositores, entre eles Barlaão de Seminaria (+1348), chamado o Calabrês, célebre por sua polêmica com São Gregório *Palamas, monge de Athos (1296-1359), a propósito da hesiquia. Athos continua sendo o expoente máximo da hesiquia.

Foi particularmente importante a presença da hesiquia na espiritualidade ortodoxa russa. A ora­ção de Jesus foi introduzida na Rússia no séc. XIV por hesicastas vindos de Bizâncio. Homens como

o metropolita de Kiev, Cipriano (1340-1406), São Sérgio (1314-1392), fundador do monaquismo russo, e Nil Majokov (1433-1508), conheciam bem a hesiquia nos mosteiros de Athos e de Bizâncio. Quando esta última foi tomada em 1453, a Rússia continuou a tradição hesicasta pratica­mente até os nossos dias.

Foi o Relato de um peregrino russo o livro que permitiu ao grande público de nosso tempo conhecer e descobrir a “oração de Jesus”. Surgi­do pela primeira vez em 1870 e reeditado em Kazán em 1884, essa obra anônima poderia ter sido copiada pelo abade do mosteiro de São Miguel de Tcheremisses de Kazán, o famoso pa­dre Paissy (1722-1794). Esse monge promoveu a vida espiritual por meio da tradução de escritos como a Filocalia do erudito monge do monte Athos, Nicodemos, o Hagiorita (1748-1809), obra que revelou ao mundo contemporâneo a espiritualidade hesicasta. De qualquer forma, o autor seria um camponês russo que, tendo perdi­do tudo, empreendeu, aos 30 anos, uma peregri­nação. Tendo entrado na igreja num domingo, escutou estas palavras de São Paulo: “Orai sem cessar”. Essa exortação colocou-o em marcha e constitui o seu viático. O peregrino místico é um dos tantos camponeses que, pelos séculos, per­correm os caminhos da Rússia. “Na impossibili­dade de fixar-me em alguma parte, dirigi-me até a Sibéria, até São Inocêncio de Irkoutsk, pensan­do que nas planícies e nos bosques da Sibéria encontraria mais silêncio para entregar-me mais comodamente à leitura e à oração”. O peregrino acaba encontrando um “staretz” ou pai espiritual que lhe transmite os rudimentos da Oração de Jesus. Antes de morrer, o “staretz” entregou-lhe a Filocalia que, junto à Bíblia, lhe serviria de ali­mento espiritual e de guia em sua peregrinação.

BIBLIOGRAFIA: J. M. Moliner, Historia de la espiritualidad. Burgos 1971; B. Jiménez Duque-L. Sala Balust, Historia de la espiritualidad. Barcelona 1979, 4 vols.; L’oraison du coeur. Cerf, Paris 1990. 

 

CONTRIBUIÇÃO COM O SITE
 
marcio ruben
pix 01033750743 cpf
bradesco

Examinais as Escrituras!

FILOSOFIA